sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Possibilidade de quebra do sigilo bancário e fiscal em Ação de Alimentos


A presente discussão tem como objeto a análise da possibilidade de quebra do sigilo bancário e fiscal, a fim de verificar a capacidade contributiva do alimentante no decorrer da instrução processual nas ações de alimentos.
Em resumo, trata-se do confronto de uma garantia constitucional com um direito, também constitucionalmente previsto: A inviolabilidade do sigilo bancário e fiscal x A dignidade da pessoa humana.
Não é novidade que a ação de alimentos corresponde ao meio processual adequado para se buscar a fixação de uma pensão alimentícia. No decorrer do processo, o autor (alimentado) buscará demonstrar a relação parental com o réu (alimentante) - da qual advém a obrigação de prestar auxílio material – sua necessidade e a possibilidade do requerido, conforme disposto no artigo 1694, do Código Civil.
Ainda, ultrapassados tais requisitos, deverá o autor buscar formas de demonstrar a capacidade contributiva do réu, para que a fixação dos alimentos seja justa e proporcional às necessidades do autor e às possibilidades do réu.
Desse modo, em muitos casos, o autor solicita ao juiz que seja determinada a quebra do sigilo fiscal e bancário da parte adversa, no intuito de demonstrar a real capacidade financeira do réu. Aqui, chega-se ao ponto de destaque do texto.
Pergunta-se: Como o julgador deve proceder no caso acima? Em respeito a dignidade da pessoa humana e em busca da verdade real o magistrado violará a intimidade do réu por meio da quebra de seu sigilo bancário e fiscal? Ou, rejeitará o pedido formulado pelo autor uma vez ser inviolável o sigilo bancário e fiscal?
Antes de externar minha opinião, faço considerações iniciais acerca das proteções constitucionais em comento e do posicionamento jurisprudencial sobre o tema.
A dignidade da pessoa humana, não é apenas um direito dos indivíduos, é um princípio basilar de todo e qualquer Estado Democrático de Direito. Prevista no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana foi literalmente elencada como um dos fundamentos da nossa República. Portanto, não restam dúvidas que toda e qualquer decisão dos poderes integrantes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) devem tê-la como norte. Não se tem uma sociedade digna sem cidadãos que usufruam de tal direito. De modo que permitir sucessivas rupturas a esse essencial bem jurídico, certamente, ocasionaria o rompimento com o Estado Democrático de Direito.
Com relação ao sigilo bancário e fiscal, alguns doutrinadores entendem que esta garantia está implícita no inciso X, do art. 5º, da CF/88, já outros juristas fundamentam-na no inciso XII. No entanto, para este estudo, interessa-nos saber que o STF possui entendimento pacífico de que o sigilo bancário e fiscal é uma espécie de direito à privacidade, assegurado pela Constituição[1], e, portanto, deve ser respeitado.
Desse modo, a afronta à intimidade e a privacidade de qualquer cidadão é, em regra, vedada pela nossa lei máxima. Entretanto, o sigilo bancário e fiscal não é uma garantia absoluta e ilimitada, podendo ser violada em casos excepcionais.
A jurisprudência pátria e grande parte da doutrina convergem no sentido de que havendo necessidade de preservar outro valor com status constitucional, sobreposto ao sigilo bancário e fiscal, ou ainda, havendo interesse da coletividade em face do interesse do indivíduo, o sigilo poderá ser afastado por meio de decisão judicial.
No caso em destaque, está em duelo a dignidade da pessoa humana, consubstanciada no direito do autor aos alimentos, e o sigilo bancário e fiscal do réu. Com base no exposto até aqui, evidente que a dignidade da pessoa humana, como fundamento da República e princípio basilar do Estado Democrático de Direito, sobrepõe-se ao direito individual em espeque.

Nas ações de alimentos, os Tribunais de Justiça espalhados por todo o Brasil têm divergido sobre o tema. Em suma, parte dos julgadores entende ser possível a quebra do sigilo bancário e fiscal como meio de quantificar melhor a capacidade contributiva do réu, independente das outras provas. Adotam um posicionamento menos rígido e dão prevalência para a obrigação alimentar, relativizando a proteção constitucional dada aos dados bancários e fiscais[2].
Por outro lado, parte dos magistrados defende que a quebra do sigilo bancário e fiscal é medida excepcional, não devendo ser determinada sem justa causa. Sustentam que a prova a ser produzida por meio da violação de uma garantia constitucional deve ser indispensável, última ratio para o deslinde do processo, só podendo ser utilizada acaso o réu recuse fornecer informações sobre sua renda[3].
Após toda a exposição aqui feita, entendo ser possível a quebra do sigilo bancário e fiscal na ação de alimentos, contudo, somente na hipótese de não existir outro elemento de prova capaz de demonstrar a capacidade financeira do réu, sob pena de banalizar uma garantia constitucional e transferir para o Poder Judiciário o ônus probatório, que é das partes.
Nesse rumo, caso o réu se recuse a fornecer informações básicas sobre os seus rendimentos ou o autor não possua nenhuma outra forma de comprovar o poder econômico do réu, poderá ser admitida a quebra do sigilo bancário e fiscal.
A título de exemplo, uma das oportunidades que pude defender tal posicionamento, foi na condução da defesa de um réu em uma ação de alimentos envolvendo o presente tema. No referido processo, a parte autora requereu a quebra do sigilo bancário e fiscal, o que foi prontamente deferido pelo juiz de primeiro grau. Ocorre que, junto à contestação, o réu forneceu documentos e informações suficientes sobre sua capacidade financeira.
Assim, no intuito de impedir a exposição desnecessária da vida íntima do réu, apresentei recurso de agravo junto ao Tribunal, sustentando pela ausência dos motivos autorizadores da medida excepcional utilizada pelo juiz, e, que não se mostrava razoável a quebra do sigilo, tendo em vista que o próprio réu, espontaneamente, apresentou documentação idônea de seus rendimentos. O referido recurso foi provido, e, assim, evitou-se a violação da intimidade do réu[4].
Concluindo, destaca-se que é possível a quebra do sigilo bancário e fiscal no bojo da ação de alimentos, em respeito a dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito. Contudo, tal medida só pode ser adotada em caráter excepcional, entendido este como a inexistência de outros meios de prova capazes de demonstrar a capacidade contributiva do réu.


Referência Bibliográfica
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma, AgIn 655.298-AgRg, rel. Min. Eros Grau, j. 04.09.2007.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 2ª Turma Cível, AGI 20130020209088, rel. Des. Sérgio Rocha, j.13.11.2013.
______. ______. 3ª Turma Cível, AGI 20150020167952, rel. Des. Flavio Rostirola, j. 19.08.2015.
______. ______. 5ª Turma Cível, AGI 20140020167062, rel. Des. João Egmont, j. 19.11.2014.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012.
LORENCINI, Bruno César. Direito Constitucional – Teoria Geral da Constituição e Controle de Constitucionalidade. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2010.



[1] AgIn 655.298-AgRg, 2.ª T., j. 04.09.2007, rel. Min. Eros Grau, DJ 28.09.2007
[2] Acórdão n.736169, 20130020209088AGI, Relator: SÉRGIO ROCHA, 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 13/11/2013, Publicado no DJE: 21/11/2013. Pág.: 102
[3] Acórdão n.833802, 20140020167062AGI, Relator: JOÃO EGMONT, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 19/11/2014, Publicado no DJE: 25/11/2014. Pág.: 256
[4] Acórdão n.889376, 20150020167952AGI, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 19/08/2015, Publicado no DJE: 27/08/2015. Pág.: 213

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